Elas são maioria na Unisc entre funcionários e estudantes
O Dia da Mulher, comemorado nesta quarta-feira, 8, é um símbolo das lutas e conquistas femininas nos últimos tempos, além daquelas que estão por vir. Um exemplo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é que em 2021, a taxa de participação feminina no mercado de trabalho era de 51,56%, sendo que os números são, ao menos, 20% inferiores aos dos homens.
Essa disparidade de gênero vem mudando, aos poucos, com o passar do ano, mas ainda persiste no mercado de trabalho na maioria dos locais. Na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) o cenário é diferente. Aqui, o quadro de colaboradores mostra que 60,20% são mulheres, o que inclui professoras, técnicas, aprendizes e estagiárias. Já a graduação presencial é formada 60% por estudantes mulheres. E dentro desses números temos diversos casos de mulheres inspiradoras.
Um deles é daquela que ocupa um dos maiores cargos de gestão: a vice-reitora Andreia Rosane de Moura Valim. Com 50 anos, sendo 21 de Unisc, Andreia é formada em Farmácia, com especialização em Análises Clínicas, mestrado em Bioquímica e doutorado em Biologia Celular Molecular. Todo esse currículo contribuiu para um importante desafio, que foi enfrentar a pandemia de Covid-19 usando a expertise como cientista. “Minha essência é pesquisa e ser professora”, conta ela que também ministra aula no primeiro semestre do Curso de Medicina.
Em 2020, com a chegada da pandemia, Andreia estava no processo de mudança de pró-reitora de Pesquisa e Graduação para diretora de Inovação e Empreendedorismo, quando precisou usar os conhecimentos próprios na análise de diagnósticos de Covid-19, dentro da Universidade. Toda essa história começou entre ela e outras duas mulheres, a professora Lia Possuelo e a então reitora, Carmen Lúcia de Lima Helfer. “Lembro que eu e a Carmen voltávamos de uma viagem ao México e fomos instigadas pelo médico Marcelo Carneiro em fazermos os diagnósticos dentro da Universidade. Logo em seguida, tudo parou, e decidimos que a Unisc podia, sim, ajudar a comunidade nesse trabalho.”
A época é definida por ela como desafiadora e um ato de coragem. “Recebemos capacitação do Estado e como pesquisadora foi uma entrega à comunidade. Lembro de reunir meus filhos e meu marido para dizer que faria o trabalho de diagnóstico e que não sabia como seria, por ser algo novo e contagioso, mas era a minha decisão. Recebi todo o suporte e apoio deles.”
A partir dali, Andreia conta que passavam horas na Unisc fazendo o processo de diagnóstico que era dividido em três fases. “Primeiro era preparar aquela primeira amostra, separar o RNA, era o processo mais rápido, mas também o mais perigoso. Nessa parte, apenas os professores e técnicos da Unisc que trabalhavam, já que tínhamos inúmeros voluntários que se dispuseram a ajudar. Depois, era a extração do RNA que era feita manualmente e tinha vários processos. Por último, o PCR em tempo real. Recebíamos os exames da prefeitura, normalmente, ao meio-dia, e ficávamos, às vezes, até meia-noite no processo.”
Meses depois, foi adquirido o extrator de RNA, que facilitou o trabalho. “Além dessa parte de cientista, tinha a parte de logística, administração, pois precisávamos, por exemplo, de reagentes caríssimos, que, naquele momento, eram usados pelo mundo todo, então, precisava se ter esse material e saber como poderíamos conseguí-lo.”
Depois de toda a pandemia, de poder ajudar a comunidade, Andreia olha para trás e se vê como uma mulher corajosa. “O mundo se colocou em alto risco com uma doença letal. Na época eu não pensei nos riscos, tomávamos todas as precauções, tanto que nenhum de nós positivou para a doença durante o processo. Só pensava em trabalhar com a parte do diagnóstico e poder ajudar de alguma forma.”
Mãe e pesquisadora
Com toda essa experiência e analisando o mercado atual, Andreia vê que as mulheres têm feito um movimento forte na ciência nos últimos 15 anos, mas ainda se tem uma hierarquia construída de anos de que há mais pesquisadores homens. Andreia, que é mãe de dois filhos, acredita que isso também ocorre pela questão da maternidade. “Para mim a maternidade é maravilhosa, mas ela acaba ocasionando um desvio de curso, porque a mulher não para intelectualmente, mas, às vezes, a gestação tem comprometimentos físicos e emocionais que são difíceis de se dar conta com as demandas de cientista. Tanto que hoje se tem pela plataforma Lattes um movimento forte para que se coloque escrito lá na explicação: eu sou a fulana, sou mãe e pesquisadora. É algo que precisa ser contado daquele período da gestação, do nascimento, em que se ficou ausente para cuidar da criança que depende da mãe, por mais que se tenha um companheiro e pai parceiro, como eu tenho.”
E mesmo com todos os percalços da vida e da profissão, Andreia diz que é fundamental acreditar em si. “Nós temos emoções, uma intensidade diferente do mundo masculino, e temos potencial. Digo que a sociedade é feita por todos, e que tenhamos energia, serenidade, e propósito para seguirmos confiantes nas nossas batalhas. Às vezes, esmorecemos, mas devemos ser empoderadas, acreditarmos no nosso potencial.”
Fotos: Bruna Lovato/Unisc
Andreia é gestora, pesquisadora, professora e mãe
Mulheres na ciência
Pâmela Rodrigues de Oliveira tem apenas 22 anos, mas também foi uma das pessoas que desempenhou um papel importante durante a pandemia. A jovem é moradora de Linha Pinheiral, em Santa Cruz do Sul, e iniciou os estudos em 2019 no Curso de Engenharia de Produção. Uma das paixões de Pâmela é pelas impressoras 3D, equipamentos que transformam um arquivo em uma peça física por meio da criação de várias camadas sobrepostas.
Por causa disso, foi chamada para ajudar na produção de face shield, máscaras usadas na proteção facial contra a Covid-19. As máscaras foram entregues ao Hospital Santa Cruz (HSC) durante a pandemia. “Sempre fui muito ativa, com atividades nos três turnos, e durante a pandemia me senti mal por ficar somente em casa. Então, com o convite, decidi fazer algo para ajudar. Me senti realizada.”
Outro momento importante ocorreu em abril de 2022, quando em parceria com o Curso de Fisioterapia da Unisc, Pâmela fez a moldagem e apresentação de uma órtese chamada de abdutor de polegar. A órtese, que é biodegradável, é usada, na maioria das vezes, por crianças com paralisia cerebral e que perdem a função da mão. Com o uso do dispositivo, volta a funcionalidade do membro. “Sempre quis usar a tecnologia a favor do outro. Então, esses dois momentos foram importantes para mim.”
Além dos feitos, Pâmela também é a primeira técnica mulher do Laboratório de Desenvolvimento de Produtos do curso. “Historicamente Engenharia é um curso com mais homens. Já tive momentos em que pessoas chegaram aqui, para visitar o laboratório, e notei um pré-julgamento por eu ser mulher. Isso me incomodava, mas decidi não focar nisso e focar no que eu vim fazer. Eu sou apaixonada por impressão 3D, por desmontar máquinas, adoro um parafuso e me encontrei nessa área.”
Para o futuro, Pâmela quer ser reconhecida nacionalmente pelo trabalho nas impressões 3D e, quem sabe, ser referência na área. “Costumo dizer que 3D é um conceito, com várias tecnologias, e eu quero, conhecer ao máximo, essas tecnologias. Aqui na Unisc tenho a oportunidade de trabalhar com tecnologias que muitas pessoas não têm acesso.”
Como conselho para as jovens que querem ingressar em áreas, até então, com predominância masculina, a estudante diz que é fundamental ter em mente o que se quer para a vida. “Independente da área ser de maioria masculina ou não, sempre teremos desafios. O segredo é focar no objetivo e fazer de tudo para dar certo.”
Para Pâmela trabalhar com impressão 3D é uma realização
“Considero-me uma guerreira”
Rosane dos Santos, de 58 anos, trabalha na área de higienização na Unisc. “Lembro que comecei escondido do meu marido, que não queria que eu trabalhasse nessa área. Mas, na época, eu queria ajudar meus pais, nem que fosse por apenas 1 ano.”
E o 1 ano já virou 25. “Comecei no bloco 11 e, 5 meses depois, vim aqui para reitoria e não saí mais. No começo, achei que não daria conta, mas todos me ajudaram de alguma forma e foram gentis comigo. Eu passei por todos os reitores e não tenho o que reclamar de ninguém, pois a Unisc é como a minha segunda casa.”
Foi na Unisc que Rosane passou por momentos bons e ruins da vida pessoal. Um deles, durante a separação, disse que conseguiu o apoio dos colegas e também atendimento com psicólogos da Universidade. “Meu filho tinha 12 anos e eu achei que não daria conta sozinha. Lembro que a pensão que eu recebia do meu ex-marido era muito baixa. Mas consegui, venci, e sou muito grata por tudo.”
Além do apoio dos colegas, foi pelo filho que Rosane não desistiu e conseguiu realizar um dos seus maiores sonhos. Mateus formou-se em Engenharia Mecânica em 2020. “Meu sonho era ver ele entrando no auditório, tocando uma música, mas, com a pandemia, foi diferente. Eu chorei e conquistei o meu e o sonho dele.”
E realizar sonhos é um dos conselhos de Rosane no Dia da Mulher. “Não podemos nos entregar ou deixar sermos mandadas. Nós mulheres somos fortes, temos persistência. Eu me considero uma guerreira depois de tudo o que passei”, complementa.
Rosane (direita) e a colega Rosvita trabalham juntas há 7 anos